Ciúmes
- omeucavaleirodeour
- 25 de jun.
- 7 min de leitura
Meu senhor, livrai-me do ciúme! É um monstro de olhos verdes, que escarnece do próprio pasto que o alimenta. Quão felizardo é o enganado que, cônscio de o ser, não ama a sua infiel! Mas que torturas infernais padece o homem que, amando, duvida, e suspeitando, adora.
Shakespeare
O ciúme no dicionário Aurélio (1999) tem como sinônimo zelos, no plural (e há toda uma explicação etimológica e relação com outras línguas da palavra ciúme). Já zelo, no singular, adquire outro significado, representa cuidado, dedicação, interesse, afeição e há interligação com a origem da palavra ciúmes. E muitos de nós tem bastante dificuldade em separar o ciúmes do amor.
A Bíblia Sagrada aponta como sendo um comando de Deus à exclusividade: “Não creia nem adore outros deuses, além de mim” (Êxodo capítulo 20 versículo 3) o que pode-se dizer a transmissão de ideia do domínio que o Criador tem de nós.
Isso é importante sob o ponto de vista cultural, pois a raiz ocidental no nosso país é majoritariamente judaico-cristã.
Santo Agostinho, justifica que o ciúme é uma demonstração de amor (Qui non zelat non amat – Quem não sente ciúmes não ama)
Por outro lado, Gikovate (Youtube/ CBN – Acervo – No divã do Gikovate 08/06/2008 – O ciúme é prova de amor?) afirma que o ciúme não é prova de amor. Esclarece que não há “relação entre a intensidade sentimental e a intensidade do ciúmes” e que o ciumento ama mal, costuma ser do tipo mais egoísta, estourado, inseguro e menos confiáveis, pois não confiam no discernimento, no senso e nos freios morais da pessoa convivente.
Explica ainda que são 2 tipos de ciúmes: o sexual e o ciúme sentimental.
Ciúme Sexual:
O sexual teme a rejeição, sofrimento muito grande e forte tendencia controladora, tenta manipular, controlar todas as variáveis , tentar saber tudo do outro, mapeá-lo toda sua vida e toda sua conduta e faz isso buscando evitar essa dor terrível que é a dor da rejeição e a humilhação de ser trocado.
Ciúme Sentimental:
O sentimental se manifesta sem risco de perda. Duas pessoas que se relacionam intensamente costumam ter ciúmes do próprio filho. Um dos pais tem uma relação melhor com o filho que o outro. O medo é de exclusão, de não ser a figura numero 1 na vida do outro. Quer ser a prioridade. É não ser excluído em momento nenhum. Não envolve possessividade, envolve desconforto, irritação, tristeza ou revolta. E muitas vezes faz retaliações, então tem que ser sutil, pois o ciumento não tem muita razão para manifestar ciúmes entre a mulher e a mãe, por exemplo.
Gênesis capitulo 2, versículo 7 a 9:
7 Então, formou o SENHOR DEUS ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida e o homem passou a ser alma vivente.
8 E plantou o SENHOR DEUS um jardim no Éden, na direção do Oriente, e pôs nele o homem que havia formado.
9 Do solo fez o SENHOR DEUS brotar toda sorte de árvores agradáveis à vista e boas para alimento; e também árvores da vida no meio do jardim e a árvore do conhecimento do bem e do mal
Gikovate faz um paralelo entre o livro de Gênesis com o nosso nascimento. Ele diz que a vida começa no útero materno e lá é incrível o aconchego ao passo que Gênesis descreve o surgimento da vida no Jardim do Éden, no paraíso.
Gênesis capitulo 3, versículo 23
23 O SENHOR DEUS , pois o lançou fora do jardim do Éden para lavrar a terra, de que fora tomado.
Gikovate descreve que a ruptura desse aconchego, dessa vida paradisíaca com o nascimento. O nascimento gera a sensação de perda em todos nós. Nascer gera um sentimento de desamparo no bebê, de incompletude e essa sensação ou sentimento carregamos a vida inteira. Então, um dos desdobramentos disso é a possibilidade do indivíduo deter ciúmes, querer exclusividade ou posse.
Diante disso, completa o especialista afirmando que o homem busca desde a sua existência atenuar essa incompletude e um dos meios é a realização de pequenos grupos sociais “tudo ali meio embolado o indivíduo se sente aconchegado” e outra maneira é o indivíduo manter-se ocupado sobretudo fazendo algo que lhe dê prazer, lhe faça sentir-se útil.
Eduardo Ferreira Santos (2003) possui uma obra que é referência no assunto Ciúme: o medo da perda. Apresenta que muitos estudiosos afirmam ser um sentimento inato e universal proveniente do desejo de exclusividade no amor de determinada pessoa. Alguns especialistas falam que ciúmes é proveniente de genética (abrindo para o campo biológico e exemplificam os cachorros), outros que a origem é psicocultural (científico e cultural), ou seja, o ciúmes é decorrente de algum fator maior que coloca em risco nossa segurança afetiva, pois a sociedade de cultura judaico-cristã deposita nas coisas e nas pessoas o valor de propriedade (pág 28, capitulo SANTOS, 2003).
Explica o especialista (pag 29):
Assim é o sentimento do ciúme: caprichoso, imperativo, sempre doloroso, polimorfo em um mesmo indivíduo, em situações idênticas, em pessoas diferentes. Embora seja mesmo natural, como saudade, raiva, vergonha, alegria, por exemplo, ele tem particularidades que muitas vezes nos deixam atôniitos e confusos. É, sem dúvida, um sentimento desagradável, e são poucas pessoas que dizem gostar de senti-lo e, mesmo assim, em muitas dessas pessoas, dizer isso é apenas uma manifestação racionalizada na tentativa de consolar-se, como uma criança que, logo depois de “fazer arte” e se machucar, diz: “Não doeu!”
Portanto, no nosso ambiente Eduardo ainda aponta uma polarização do ciúmes, sendo de um lado um ideal nas relações humanas e um grito de protesto pela perda do sonho de manutenção do compromisso e da fidelidade. Do outro lado, o ciúme atua contaminando com a tentativa de imposição dos desejos e prioridades de uma pessoa sobre a outra.
Traz ainda o uso do ciúmes como instrumento ao informar que determinadas pessoas admitem se utilizar do ciúmes como elemento de chantagem amorosa. Acreditam que o ato de provocar ciúmes em alguém pode despertar no outro o medo de perdê-la e com isso aproximar/ aprimorar ainda mais a relação de ambos.
Há ainda comportamentos de ciúmes que geram controle absoluto. Não permitem que o outro se afaste do seu raio de observação em hipótese alguma. Mantém esse controle com ligações telefônicas, videochamadas ou lhe atribuindo tarefas de modo a deixar o outro sempre ocupado e com isso não fazer algo que lhe desagrade.
Eduardo traz ainda o tipo de relação comum no campo amoroso de pessoas casadas com seu amante. As relações deste outro com seu marido ou esposa são toleradas, mas se aparecer uma quarta pessoa há enorme revolta. Também temos o exemplo no âmbito infantil, quando uma criança ganha um irmãozinho ou irmãzinha.
O primogênito (a) acostumado a receber toda a atenção e carinho é surpreendido com parte do afeto dos pais e familiares ao outro nascido e pode reagir com atitudes de desdém ao recém-nascido ou agir com regressão na qual passa agir em concorrência pedindo colo, mamadeira ou disputar o peito. Isso decorre do aspecto psíquico, da estrutura intima de cada ser, de sua personalidade (Pág 32). Já Gikovate (1999) traz que trata-se de um impulso de sobrevivência, ou seja, a criança busca ser a favorita, a especial da mãe e com isso ter mais chances de sobreviver (entrevista Mais Você – 1999 – GloboPlay).
Conclusão:
Assim, vimos o significado de ciúmes, o fator cultural e biológico, relações com a Bíblia Sagrada, a defesa de Santo Agostinho como uma manifestação de amor (pensamento esse compartilhado por muitas pessoas). Porém, especialistas modernos como Flávio Gikovate e Eduardo Ferreira contrapõe ensinando que ciúmes produz sentimentos negativos como angustia e que podem atingir formas doentias, abalando a saúde mental.
E o que a obra O Cavaleiro da Estrela da Guia nos ensina?
ALERTA DE SPOILER:
O Capítulo Sarah entre os Índios percebemos, portanto, que o ciúmes é fator psicocultural. Para quem já leu o livro e não percebeu, a obra busca mostrar esse choque cultural entre os povos indígenas e os judeus. Enquanto na nossa cultura judaico-cristã o ciúmes é considerado um sentimento natural e hostil (para Shekespeare é o “monstro dos olhos verdes”; e especialistas como Gikovate/Eduado Ferreira descrevem como: posse, exclusividade; e temos em Santo Agostinho um justificativa para essa emoção), verificamos na obra a inexistência desse sentimento no âmbito indígena entre 1600 a 1700.
O diálogo entre a índia Raios de Lua e a judia Sarah apresenta a diferença de pensamentos entre ambas. Sarah realiza uma série de perguntas à índia sobre a relação dela com o Pajé Branco e descobre que não há qualquer ciúmes por parte dela, vejamos:
Trecho do diálogo em que Sarah pergunta sobre ciúmes de Raios de Lua (com adaptações):
(...)
- E você gosta dele?
- Sim, gosto muito dele! Sinto falta quando ele sai, fico com saudades. Ele sabe tratar Raios de Lua com amor. (responde a índia em 3ª pessoa). Ele também gosta de mim, diz que eu lhe devolvi a vida que não mais havia nele.
- E você não se incomoda que ele saia tanto de perto de você?
- Sinto falta, mas ele tem que fazer isso. Outro não pode fazer por ele (...)
- Não tem medo que ele arrume outra mulher, deixe você e não volte mais aqui?
- Não, ele não me deixa. Sei que gosta de mim. No começo me chamava de criança; hoje não, diz que sou sua mulher. (...)
Para mais aprendizado e as nuances do ciúmes na obra O Cavaleiro da Estrela da Guia – A Saga Completa, como a personalidade apresentada por essa jovem personagem e o fator cultural do ciúmes, leiam o livro presente nas livrarias comerciais do país e terreiros de Umbanda.
É possível acompanhar também os ensinamentos da mãe de santo da Tenda Pai Benedito das Almas no seu canal no Youtube - parte 6 da explicação do livro a seus filhos de santo.
Referências:
Benedito de Aruanda, Pai. O Cavaleiro da Estrela Guia: A Saga Completa/ Rubens Saraceni: (inspirada por Pai Benedito de Aruanda – São Paulo: Madras, 2004. Capítulo Sarah entre os Índios . Pág 122.
BÍBLIA SAGRADA. A Bíblia Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil. 2ª ed. , em letra grande, Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2000, 1504 p.
GIKOVATE. Especialista explica ciúmes e dá dicas para lidar com o sentimento. Psiquiatra Flávio Gikovate diz que alguns casos precisam de tratamento.
_________. Canal Youtube: Flávio Gikovate - Acervo no Divã do Gikovate
MONOGRAFIA – CIÚME NA PSICANÁLISE E NA LITERATURA – Thiago Damacena de Oliveira Pereira Soares – BRASÍLIA 12/07 – UNICEUB – CURSO DE PSICOLOGIA; sítio: https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/123456789/3028/2/20311598.pdf
SANTOS, Eduardo F. Ciúme: o medo da perda. São Paulo. Editora Claridade, 2003. fonte: (disponibilização sem download 1º capítulo: sítio: https://www.livrebooks.com.br/livros/ciume-eduardo-ferreira-santos-ow9odwaaqbaj/baixar-ebook
SHAKESPEARE, Wlliam. Otelo: o mouro de Veneza. In A obra prima de cada autor. São Paulo, 2005. Edição original inglesa em 1622.
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